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Em meio a atritos entre Polícia Civil e Tarcísio, delegacias de SP registram desfalques e queixas por escalas ‘abusivas’

Efetivo teve redução de 19,5% em dez anos; governo diz que ‘recomposição é uma das prioridades da atual gestão’

A defasagem nos quadros da Polícia Civil em São Paulo tem alimentado críticas da corporação ao governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que já enfrenta reclamações por conta de uma suposta preferência do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, pela Polícia Militar. Membros da corporação afirmam que há delegacias com equipes reduzidas e que a falta de pessoal produziu esquema de trabalho considerado “abusivo” em algumas unidades, queixa registrada em ofício enviado no mês passado ao delegado-geral, Artur Dian.

Segundo levantamento nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o efetivo da Polícia Civil paulista encolheu em 19,5% entre 2013 e 2023 — nesse período, a redução média no Brasil foi de 2%.

O GLOBO apurou que a delegacia de um bairro nobre da Zona Sul da capital atua há mais de três meses com menos da metade do número de escrivães previsto em lei. “Se uma delegacia de elite está nessas condições, imagine como está na periferia”, disse uma policial que preferiu não se identificar. Já na Zona Oeste, funcionários de um distrito policial relataram que faltam delegados, investigadores e escrivães (defasagem que, segundo eles, chega a 80%), e que as viaturas são antigas e até mesmo já quebraram com presos a bordo.

O sindicato que representa os escrivães de polícia relatou a Dian que a entidade “tem sido provocada à exaustão” por servidores que reclamam de escalas de plantão “abusivas” e “sufocantes”. O ofício foi enviado após denúncias apresentadas por uma escrivã de Piracicaba, no interior do estado, que pediu exoneração semanas depois de registrar as queixas.

— Tem escrivão com quase mil inquéritos acumulados, e pelo Código de Processo Civil, o prazo para concluir um inquérito é de 30 dias. O resultado é que muitas vezes o caso prescreve sem a identificação do suspeito, ou sem a gente conseguir dar subsídios suficientes para o Ministério Público apresentar uma denúncia. A situação é crítica — disse o presidente do sindicato, João Xavier Fernandes.

De acordo com um integrante da corregedoria da categoria ouvido pelo GLOBO, o excesso de trabalho tem levado escrivães experientes a enfrentar processos disciplinares por não conseguirem dar conta de suas tarefas. “Tem gente que recebia elogios e agora é alvo de sindicâncias por perder prazos, deixar de recolher fianças. Isso é reflexo do acúmulo de serviço e quem perde é a população”, relatou.

Delegados buscam renda extra
Pesquisa do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) divulgada no início deste mês revela que seis em cada dez delegados paulistas fazem ou já fizeram trabalhos extras, os famosos ‘bicos’, para complementar suas rendas — dos quais 27% afirmam que isso faz parte de suas rotinas.

— Essa necessidade existe para muitos porque não temos remuneração ideal. No ranking dos salários, São Paulo é o 22° estado do país. Isso produz uma polícia mais cansada, que acaba tendo um rendimento menor. O governo precisa pensar em estratégias para atrair e manter as pessoas na Polícia Civil — afirma a presidente do Sindpesp, Jacqueline Valadares.

O governo Tarcísio deu posse no mês passado a 4.017 policiais, e firmou com a categoria o compromisso de empossar mais 3.500 até o fim do ano. Esses novos agentes, porém, ainda estão passando por treinamento e só devem reforçar de fato as equipes da corporação dentro de alguns meses. Muitos nem chegam a isso e desistem pelo caminho: segundo ato publicado na semana passada, 337 nomeações já foram anuladas.

Para o analista criminal Guaracy Mingardi, integrante do FBSP, o atual quadro de “sucateamento” da Polícia Civil é resultado da opção de seguidos governos de priorizar o policiamento ostensivo. O especialista acrescenta que o trabalho investigativo é também prejudicado por demandas não criminais, como queixas entre vizinhos, que poderiam ser direcionadas a outros órgãos, como a prefeitura.

— A prioridade dos últimos governos, não só em São Paulo, tem sido investir na Polícia Militar, porque é a que mais aparece na rua, a que dá a impressão de que algo está sendo feito na área da segurança. Mas o combate ao crime profissional exige investigação, e hoje praticamente só os departamentos, como o Deic e o Denarc, conseguem investigar — diz.

A insatisfação dos policiais civis com o governo Tarcísio surgiu ainda nos primeiros meses da gestão, quando o governador apresentou proposta de reajuste salarial para as forças de segurança que dava aumento maior para os policiais militares. Em abril deste ano, nova crise se instaurou por conta da intenção da pasta comandada por Guilherme Derrite, capitão da reserva da Polícia Militar, de permitir que os PMs elaborem o termo circunstanciado, que é o registro destinado a ocorrências de baixa gravidade, como pequenos furtos e posse de drogas para uso pessoal, atribuição por enquanto exclusiva da Polícia Civil.

A segurança é uma das áreas de atuação do governo estadual com pior avaliação popular, conforme mostrou pesquisa Genial/Quaest divulgada em abril. O tema é especialmente caro ao eleitorado mais alinhado ao bolsonarismo, campo em que Tarcísio é apontado como possível candidato para a eleição presidencial de 2026.

Em nota, a SSP informou que a “recomposição do efetivo é uma das prioridades da atual gestão”. A pasta afirma que a defasagem na Polícia Civil é de 25,8%, percentual que o governo pretende baixar para 16,5% a partir de três concursos que estão em andamento para o preenchimento de 3.135 vagas para delegados, escrivães e investigadores. A secretaria também afirmou que, “desde 2023, foram investidos R$ 54,7 milhões em 361 viaturas para a Polícia Civil”.

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